Notícia de Educação
Educacão do amanhã: como a dinâmica de uma sala de aula pode favorecer o aprendizado
Em artigo, Claudio Sassaki, mestre pela Stanford University e cofundador da Geekie, faz uma crítica à metodologia aplicada pelas escolas
Uma formação educacional que mira o amanhã, mas dialoga com o presente, tem sido um desafio grande para o Brasil. Especialistas têm se questionado como a educação passará por uma reinvenção para responder às megatendências que têm moldado o futuro das sociedades. A esse questionamento, acrescento: como vamos preparar os nossos estudantes para o futuro que essa geração vai vivenciar – não para o passado experimentado pelos pais e educadores? Ocorre que, enquanto a inovação tem sido tratada como uma questão estratégica em empresas que estão projetando o amanhã, ela permanece como uma agenda política marginal na maioria dos sistemas educacionais. Para mudar esse cenário é preciso transformar a escola – uma instituição secular que se tornou incapaz de responder a perguntas cujas respostas são urgentes e complexas.
Uma questão pertinente é avaliar o que constitui uma experiência de aprendizagem eficaz e poderosa, capaz de preparar o estudante brasileiro para as competências do século 21. Quando analisamos o resultado do sistema educacional tradicional somos obrigados a enxergar uma dura realidade: temos falhado na essência do ensinar. Nossos alunos não estão aprendendo dentro de uma escola que tem sentido o peso do tempo. Os sinais dessa falência do modelo estão por toda a parte: de acordo com o INEP, 45% dos jovens não concluem o Ensino Médio até os 19 anos. Um outro dado aponta que 11% dos estudantes chegam, inclusive, a abandonar a escola antes de completar essa idade. O analfabetismo digital – cuja falta de fluência no ambiente virtual dificulta o acesso a conteúdos globais e em inglês – deixam nossos jovens à margem de informações que estão disponíveis gratuitamente na rede e que podem impactar na empregabilidade.
Com um sistema educacional fortemente pautado pelos exames vestibulares, o desafio educacional está contido na urgência de formar cidadãos preparados para lidar com complexidades de um contexto no qual a tecnologia avança de maneira exponencial.
Com a impossibilidade de prevermos as profissões que surgirão na próxima década – 85% das profissões que teremos em 2030 não existem hoje, de acordo com estudo da Dell –, educadores e pais vivenciam a demanda de formar indivíduos críticos e colaborativos, capazes de compreender o ambiente e criar formas para impactá-lo positivamente.
Temos que criar um ambiente propício para essa educação do amanhã; que reduza a distância entre a escola e vida real está desestimulando alunos e docentes. Na edição de 2018 do Fórum Econômico Mundial para América Latina, o tema transversal foi a Quarta Revolução Industrial, debatendo o momento de um mundo interconectado, mas com organização geopolítica e problemas globais que não correspondem à forma como estamos organizados. Em palestra no evento, a minha colaboração foi levar o olhar da tecnologia e da inovação, dentro de um contexto educacional real e prático. Quando se pensa que a escola atua com o desafio de preparar o aluno para as competências do século 21 – mas, que ainda perpetua um modelo de trabalho baseado nas habilidades necessárias na época da revolução industrial – percebe-se que a proposta educacional adotada por grande parte das escolas está distante de um modelo de trabalho e de vida em sociedade com pensamento crítico, autonomia e visão de futuro.
Hoje, a escola prioriza a memorização – focando no vestibular – em detrimento da aplicação do conteúdo em algo prático. No modelo atual, os alunos com autonomia e senso crítico estão sempre na sala do diretor, porque são vistos como alunos-problema.
Um antídoto é tornar a escola capaz de tratar cada aluno individualmente, ou seja, enxergar as qualidades e dificuldades que esse indivíduo tem; na hora que ele precisa; e dentro do que faz mais sentido para esse aluno. Essa conduta deve marcar a atuação do professor com apoio de metodologias pedagógicas que permitam redefinir o ensino de forma universal, sustentável e acessível. É sabido que pessoas diferentes aprendem de formas diferentes, mas o modelo atual se propõe a ensinar todos da mesma forma.
Em uma perspectiva propositiva – como mestre em Educação e com a experiência que adquiri em sete anos de atuação da Geekie, impactando mais de 12 milhões de alunos – defendo que a escola deve desenvolver mecanismos para produzir evidências individualizadas de aprendizado, ou seja, ferramentas para que os professores tenham condições de utilizar esses dados no processo de formação e avaliação. A proposta é não transformar somente essas informações em instrumento para agrupar os estudantes de acordo com critérios que favoreçam o aprendizado, mas também para que o docente tenha insumos para conseguir apresentar ao aluno o desafio certo, plenamente alinhado a esse indivíduo. Além disso, as evidências são importantes para o professor evoluir nas próprias práticas e estratégias a partir de reflexões sobre a efetividade das experiências de aprendizagem que está proporcionando.
Algo que é sintomático sobre essa desconexão com o futuro é o formato das aulas tradicionais, em intervalos de tempo fechados, todas iguais há muito tempo. Passados os 50 minutos e com o conteúdo ministrado, o modelo atual nos compele a seguir adiante – sem dar espaço para considerar se esse ou aquele aluno assimilou ou não a informação. Ou seja, não importa o aprendizado, pois cumprir o tempo é a prioridade!
O contrário dessa forma de encarar a educação é o conceito de competency-based learning (aprendizagem baseada em competências), no qual o aluno só avança após aprender. Para isso, o professor cria trilhas nas quais os estudantes têm proficiências parecidas, ou seja, não há o conceito rígido das séries. E isso não chega a ser uma novidade. No método montessoriano, por exemplo, vemos alunos de idades diferentes, aprendendo juntos, porque o aprender não está relacionado à faixa etária, mas a diferentes domínios, estágios e histórias educacionais. Na essência, é personalizado ao se basear pela assimilação genuína do conteúdo; ou seja, na prática investimento de tempo e recursos no desenvolvimento de competências.
Mas, para que esse desenvolvimento se estabeleça é importante lançar luz sobre o papel do professor. No modelo tradicional, o professor pensa a aula com base em critérios mais convenientes ou de acordo com roteiros estabelecidos pelo livro. Dentro do conceito de pensar um design para a aula, o professor assume a lógica de priorizar a melhor experiência de aprendizagem para o aluno, ou seja, ele começa a pensar a aula, analisando quais são os objetivos de aprendizagem que deseja atingir. É o teaching for the understanding, que tem por alicerce o nível de aprendizado que se espera que o aluno tenha. Para isso, o professor precisa ter os objetivos de aprendizagem claramente definidos; a partir da definição clara, passa a pensar em qual será a melhor experiência de aprendizagem para o pleno entendimento do conteúdo por parte do aluno.
Essa mudança de mentalidade só será possível a partir da formação para esse novo modelo de educar. O professor é um dos principais agentes na transformação da educação – sobretudo quando investe em um trabalho de formação pessoal mais amplo, para além dos conceitos de disciplina, contemplando também gestão de sala de aula; didática; metodologia; formas de ensinar e de aprender; conhecimento dos diferentes perfis de estudantes e suas múltiplas realidades cognitivas e afetivas. Como a dinâmica de uma sala de aula pode favorecer o aprendizado? Essa pergunta deve ser respondida, pois vai nortear a ressignificação da função do professor. O olhar não é para o profissional que se obriga a transmitir o conteúdo no prazo exato.
Devemos abandonar esse modelo antigo e passar a olhar para o desenvolvimento de competências e habilidades – que não podem ser adquiridas pelos alunos somente copiando as matérias. Estou falando do professor mediador, aquele que sugere ao aluno fazer coisas com o conteúdo adquirido; sair do modelo de memorizar para aplicar esse conhecimento em situações práticas.
A escola do passado – focada em memorização de conceitos e nas metodologias conectadas com a transmissão do conteúdo – cede espaço para novas formas de aprender e ensinar. Essas mudanças devem afetar também os formatos de avaliação que precisam evoluir para formatos mais contemporâneos e coerentes com essas novas necessidades. A prova escrita, ou de múltipla escolha, torna-se uma entre muitas formas de avaliar a aprendizagem. Por mais que ela tenha um papel avaliativo, muitas vezes não se mostra como o melhor instrumento para compreender o desenvolvimento de habilidades e competências. Nesse novo contexto, outras práticas se destacam como as rubricas para autoavaliação e os feedbacks 360 graus. Todas as evidências deveriam ser usadas como avaliações formativas.
A educação evoluiu para um modelo no qual toda a prova ou teste é somativo – avalia apenas o resultado final –, quando deveria propor avaliações ao longo do processo; um processo com professores tendo acesso a indicadores de aprendizado, ou seja, avaliação formativa. A ideia é que a tecnologia e coleta de dados tragam possibilidades para que todas as evidências do dia a dia do estudante sejam utilizadas como formas de avaliações formativas que ajudam o corpo docente a ter feedbacks e evidências para trabalhar de forma individualizada com o aluno. Essa nova forma de pensar avaliação deve contemplar inclusive o vestibular, que hoje acaba ocupando o papel de norteador do currículo.
Temos que falar, também, sobre o aprendizado significativo – e conectado com o amanhã. Entretanto, torna-se difícil falar sobre o tema quando nossos alunos estudam dentro de uma sala de aula com um livro. Quero dizer que a escola tem que evoluir. A quebra por matéria é uma questão ditada pelo livro didático; o conteúdo, na realidade do aprendizado, não é quebrado por matérias. Quando vejo escolas trabalhando com projetos interdisciplinares – que resolvem problemas reais, nos quais os estudantes vão buscar conhecimento para dar suporte à atividade – enxergo que há significado na educação. Óbvio que é mais difícil e complexo adotar essa metodologia, mas uma educação por projetos é norteada e permeada por essa visão de competências, habilidades e conteúdo significativo. Os melhores modelos, inclusive, combinam projetos, aulas expositivas e um elemento de estudo autônomo – onde o estudante desenvolve a capacidade de concentração, de autonomia, de avançar sozinho.
Essa nova escola tem que dar oportunidade para que o estudante consiga ter uma ideia de um caminho para o futuro, uma área que possa descobrir e seja um ponto de partida para um projeto de vida. Esse tipo de conteúdo – muito favorecido pela proposta de projetos interdisciplinares, inclusive – vai muito além do que estudar conteúdo. É difícil fazer escolhas quando chegamos no fim do ensino médio, principalmente se o aluno não teve a oportunidade de experimentar aprendizados diferentes. É difícil embarcar em uma jornada de autoconhecimento simplesmente lendo um livro. É preciso vivenciar, experimentar, refletir e agir. Os projetos mediados por professores dão essa oportunidade – e, claro, quando são escolhidos pela escola, família e alunos.
Para finalizar, acredito que esse desafio de criar uma “nova edição crítica da escola” passa por toda a comunidade escolar e pela coragem das famílias de exigir a transformação da escola; passa por não ter medo da mudança e de lançar um olhar crítico para esse modelo escolar secular. E não se trata de jogar tudo fora, como se nada fosse bom ou passível de edição. Estou falando de reconhecer as fortalezas de conteúdos e transformar o que não dialoga com o mundo atual.
| Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa referência em educação com apoio de inovação no Brasil e no mundo.
FONTE: METROPOLES | https://www.metropoles.com/conteudo-especial/educacao-do-amanha-2019/como-a-dinamica-de-uma-sala-de-aula-pode-favorecer-o-aprendizado