SINEPE/MA

Artigo

Carta Aberta

Senhor Ministro.
Inicialmente, cumpre-nos registrar nossa grande admiração e respeito pessoais a Vossa Excelência, não meramente gratuita, protocolar, formal ou homenagem, mas reais e sinceros.

A admiração e apreço são maiores ainda por V.Exa., antes de assumir o tão nobre e alto cargo que, hoje, merecidamente ocupa, ter vivido grande e ativa militância advocatícia, fato até maldosamente explorado por certa parte da mídia e outros há tempos.

Em décadas de exercício de atividades do Direito – por opção pessoal, na advocacia e serviços diretos de apoio – aprendemos que os melhores juízes em qualquer instância, geralmente, vivenciaram com afinco os percalços da advocacia.

A beca não tem o mesmo peso da toga. Esta é dotada do poder cogente, o “mandamus” e o “decisum”. É o Estado.

A beca se sujeita às exigências, esperanças, preocupações, aflições e pressa da parte que representa; “ex-adversus” inescrupulosos, procrastinadores, sem ética e chicanistas; o povo, as ruas e a imprensa que confundem o advogado com a parte e com o que ela praticou; juízes impacientes, arbitrários, autoritários, às vezes parciais ou flagrantemente com simpatias por um dos litigantes, quando não simplesmente “jogam para a plateia”. E ainda à eterna lentidão do Judiciário, que o representado não consegue entender.

Felizmente, nesses muitos anos de profissão, em todos os juízos e instâncias e nos vários tribunais do país, encontramos expressiva e significativa maioria de ótimos e íntegros juízes.

Aprendemos, nos mais de cinquenta anos, que juízes acertam e erram porque são humanos e se dedicam a uma missão dificílima. Qualquer que seja a decisão, sempre vai desagradar e até revoltar alguém.

Por isso, todo juiz merece respeito, admiração e homenagem, que não são reverências pessoais, porém ao cargo que desempenha e ao Poder Judiciário, o mais importante dos poderes de um regime verdadeiramente democrático.

Sempre entendemos que uma decisão judicial é para ser cumprida, mesmo que não se concorde e não se conforme com ela.

Nada disso, todavia, significa submissão do advogado ao juiz, que suas decisões se tornem intocáveis, não se sujeitem à crítica, que impeçam a manifestação de opinião e que o juiz, ao exercer a magistratura e em suas decisões, seja inatacável, indiscutível e sobrepaire sobre os outros mortais.

Senhor Ministro, ao ajuizarmos a ADIN 5357-D.F., de antemão, sabíamos que ela causaria muita celeuma, polêmica, ataques justos e injustos em redes sociais, na mídia impressa ou eletrônica e por parte de várias associações e até de órgãos públicos. Sabíamos que, qualquer que fosse o resultado do julgamento, com o tempo, a prática, a conscientização e educadores e dos diretamente envolvidos com a matéria, chegariam ao consenso e bom senso que não tem a infeliz lei atacada.

A matéria de que trata é muito complexa, discutível, parcamente estudada e compreendida em toda sua extensão e gravidade, cercada de sensacionalismo, de emocionalidade, de passionalismo e envolvimento individuais, de interesses colaterais e pessoais, subjacentes e subalternos até de certos órgãos públicos, bem como de interesses políticos menores e eleitoreiros, além da ânsia de presença diante de câmeras ou redes sociais. A autora, porém, por dever histórico e vivência na educação, não poderia calar-se diante dos equívocos perpetrados pela discutida e discutível lei.

Por tais razões – nas atividades educacionais desde 1954 e na advocacia desde 1961, resolvemos pessoalmente assumir o patrocínio da ação no S.T.F., a fim de poupar advogados mais novos, que estão no início ou ápice da profissão e nos merecem consideração e atenção, de tamanha e desnecessária exposição, isentando-os de ataques injustos e muito agressivos, em razão da causa ou da parte que defendem. Entendemos que, aos mais velhos, cabe, pelo menos, proteger os mais novos.

Senhor Ministro, evidente que os efeitos da lei atacada não se estancaram e não se exauriram com o julgamento da ADIN 5357-D.F. Tal a importância e a complexidade que envolvem a matéria, os estudiosos – principalmente os que têm de lidar com deficientes e perseguir para eles os melhores tratamento e atendimento – pesquisarão e avaliarão as consequências do processo judicial. O conteúdo do processo, suas peças, votos e decisões são públicos. Os memoriais, nem sempre. Felizmente, o S.T.F. e a CONFENEN, autora, terão seus arquivos à disposição. Por essa razão, Senhor Ministro, fique, por favor, inteiramente à vontade para fazer da presente correspondência e dela se utilizar como bem aprouver a Vossa Excelência. Também, ela pode ter publicização, ser aberta, como manifestação de opiniões pessoais.

Não nos passou em branco a censura que Vossa Excelência lançou, no relatório e voto do acórdão do último ato processual (embargos declaratórios), quando nenhuma outra intervenção seria mais possível, à conduta, palavras e pronunciamentos do advogado da requerente. O debate acalorado de pontos de vista, ideias e opiniões, bem embasados, é salutar porque formam convencimento e posicionamento médio dos envolvidos, com influências recíprocas. Integram, incluem de fato os diferentes. Constituem o processo dialético, sem visão míope ou imposições. Por isso, realmente, livre, aí sim, de preconceitos. O calor dos debates resulta do entusiasmo pela tese defendida. Cuidado necessário é não irromper por ofensas pessoais ou menosprezo à dignidade dos contendores.
Saiba Vossa Excelência que somos nós o único responsável pela motivação da censura.

Registre-se, porém, que o censurado não consta de nenhuma peça processual, que no processo fica ad aeternum e para a História, para quem por ela se interessar.
Está o referido na censura no último memorial oferecido, peça que não integra o processo, passageira, tendo cunho mais pessoal e íntimo, em que se procura alertar o julgador para aspectos que podem não ter ficado bem claros e percebidos.

A censura de Vossa Excelência e, em consequência, do Pleno não nos abate, nos engrandece e nos envaidece. Não é fácil e usual alguém receber uma censura unânime do Supremo. Por isso, ela se incorpora ao nosso currículo.

Entretanto, durante o julgamento do mérito, quando impossível qualquer intervenção defensiva e explicativa, dois nobres ministros, colegas de Vossa Excelência, sem qualquer justificativa ou fundamentação viável, lançaram aos educadores e a todas as escolas brasileiras o epíteto de “preconceituosos” e de “deficientes mentais”, em grande injustiça aos que labutam e labutaram nas atividades educacionais. E isto fere, mesmo partido de maiores juízes do país, como feriu fundamente.

Esteja Vossa Excelência certo de que as palavras e expressões censuradas não se encontram apenas em nosso último memorial. Nossa opinião, nossa crítica, nossa discordância, de cujo direito não conseguimos abrir mão, para não nos sentirmos violentados em nossos princípios e consciência, foram públicas, publicadas e constam de nosso livro, editado logo após o julgamento do mérito e antes da publicação do acórdão, “Deficiente, Lei e Educação”.

Assim, se exageramos, se pecamos, se erramos no exercício do direito de opinar e criticar, no exercício de nossa profissão, sendo merecedores de processo e condenação, somos réus confessos.
Finalmente, Senhor Ministro, mister se faz registrar que, se Vossa Excelência, ou qualquer outro colega do ínclito STF, se sentiu pessoalmente atingido e ofendido, não foi nosso intuito e – “datíssima venia” – pedimos desculpas formalmente.